sábado, 25 de janeiro de 2014

... as tias naftalinas...!


Ainda o sobrinho não terminara de limpar com os dedos salpicados de preguiças os olhos colados de remelas fruto das lágrimas furtivas que haviam saltado as janelas dos sonhos de menino pelas noites sonhadoras, e já a tia Naftalina sacudia o orvalho da madrugada dos ombros do seu vison ensombrado pelos odores afogados em perfumes chanel, como quem tenta dissimular os odores de uma doninha mal falecida paga a peso de ouro por tal alma que agora ali se benzia à porta do templo, suspirando ofegante de aflições a aproximação da missa dominical olhando a voragem do tempo que se esvaía!

Aí senhor, e tanto ainda por fazer para que o altar não ficasse na indigência espiritual das outras donas companheiras de quermesses que tanto a afligiam pela incompetência demonstrada nos arranjos das flores e no desalinhar das rendas do altar no escândalo de quem já não suportava ver tal maltratar das coisas do divino!

Ao abrir a porta, a pobre quase ia morrendo de susto ao dar com o corpo do prior que estava debruçado sobre a carpete dos degraus do altar, não se sabe se numa oração profunda já iniciada pela noite dentro escondendo de todos a sua vida de oração e penitência, ou se pelo cansaço e desorientação fruto de uma noite mais virtuosa feita de visitas vespertinas às capelinhas onde outros paroquianos mais atrevidos e confidentes o arrastavam para os sabores divinos oferecidos pelo deus baco que fazia parte de outras devoções mais mundanas que o atormentavam com o aproximar daquele “… dia em que tremerem os guardas da casa, e se encurvarem os homens fortes, e cessarem os moedores, por já serem poucos, e se escurecerem os que olham pelas janelas; E as portas da rua se fecharem por causa do baixo ruído da moedura, e se levantar à voz das aves, e todas as filhas da música se abaterem.” Eclesiastes 12,3-4

Digam-me agora queridos leitores, quem conseguiria desviar aquele olhar lacrimoso da nossa tia Naftalina que se benzia repetidamente por tal santidade revelada, que só ela conhecia do nosso santo prior, um tesouro que guardava como um segredo, não fossem as outras tomarem de assalto aquele lugar que a divina providencia sacristiana lhe concedera pelos favores pagos a peso de rosas e gipsofilas e outras pérolas dos jardins salvas das mãos conspurcadas das mulheres do mercado que ainda precisavam de ser convertidas como ela denunciava repetidamente nas suas jaculatórias diárias aos vinte santos que habitavam naquela igreja, os únicos capazes de escutá-la e dar-lhe o valor devido, expressos nos seus gemidos chorados pelos seus joelhos já marcados pelas  artroses fruto das largas tardes em posição de submissa serva, embora não muito vergada nas costas, para que o seu ângulo de visão ficasse livre de escolhos que a impedissem de verificar qual era aquela que  ia nesse dia mais bem vestida, e se os cordões que lhe luziam ao pescoço eram genuínos ou missangas compradas na loja dos chineses!

Só para terminar o resto da estória se me permitem, a missa daquele Domingo como todos os outros, foi uma tarefa que cada vez a fatigava mais! Ele eram as flores e o altar já para não falar das dores que sentia na garganta por cantar o salmo e ler uma das leituras cedidas entre outras,  de acordos feitos com outra companheira das lides da sacristia que a ajudava fielmente na passagem dos cestos que carregavam em cada misa dominical, feitas sentinelas (sempre as mesmas entre tantas a desejarem a passadeira!) marchando silenciosas até ao altar com um sorriso ou seriedade nas rugas cobertas de pó de arroz, expressões titubeantes desenhadas à medida do peso que nelas sentiam das moedas ali atiradas! 

E assim vai decorrendo a paz dos anjos naquele lugar, enquanto as queixas das outras tias abandonadas e ignoradas vão caindo nos segredos da confissão, o último lugar de apelo que não consegue romper o estranho silêncio do prior, dizem as más línguas ter ficado preso nas teias do sorriso da nossa tia Naftalina, que feliz e naquele ar angelical, lá vai reinando entre as velas e arranjos de flores da sua capelinha!